quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

aquarela de sons

entre tantos de mim
sou eu o mesmo
sem ti
nem mi
ainda quando não estou

abraço todos os sóis.

frios
nossos braços
procuram por arco-íris

nos lentos passos que circulam esse andar
nosso andor

nessa procissão.

pálido

perdido
sem voz
nem vez

na minha solidão
escuto o meu tempo que se vai
dizendo adeus
sem acenar a mão

se é noite ou dia
o espelho já não tem certeza:

diz apenas o que sente
francamente
sem reluzir o que espera chegar

sai de cena até eu não mais enxergar
os olhos que me veem
diante da lâmpada pálida, desflorescente.

tanto tudo

tanto tempo em tão pouco tempo
tanto espaço em tão pouco vento
tanto engano para quem fica
tanto tudo para quem respira
com o tanto de tudo

tanto livro perdido na estante
tanto discurso esquecido na mente
tanto jeito tem o peito de quem mente
tanto medo tem quem menos se sente
com a falta de tudo

terça-feira, 3 de novembro de 2015

perto do fim

está tudo dito assim:
sem ponto
vírgula
espaços em branco
ou parênteses.

pare com o sorriso entre os dentes
leia o meu olhar da maneira mais simples:
didática
dialética

como espumas que repousam à beira da praia
e lavam os pés cansados

digo tudo o que não for preciso:
o necessário
está ao alcance dos seus olhos.

tateie todo o vazio que há
entre sua fala e o seu pensamento:
do resto,
talvez não seja mais preciso
dividirmos o mesmo ar.

terça-feira, 27 de outubro de 2015

reinado

começo a me desfazer
de xícaras
talheres
e panelas

filmes já vistos
livros já lidos
e de garrafas de vinhos.

passava-me pela cabeça
que a casa estaria sempre cheia.

a solidão reina.

desgostar

desgostar 
é tão estranho
quanto se encantar.

quanto cantar sem música
quanto correr com medo da chuva
quanto não lembrar como era antes de ontem.

desgostar talvez não seja o oposto de gostar
mas outra forma de dizer:
você não habita mais em mim.

quarta-feira, 21 de outubro de 2015

você sem canto

há espaço demais
entre o sofá e a cortina
mas sempre cabe você
na ponta da cega lâmina
na lã da fria lamparina
que clareia a flor da minha varanda

não há um canto sequer
que acolha seus pés
mas sempre permito que você
brinque nas ondas que não me desaminam
na folha em branco sem tinta por cima
no chão que calça seu molde
terraço por onde só seu jeito anda

com canto
com encanto
com melodia e com fantasia

seu canto
nosso canto
ainda que sem canto e sem lugar por perto

há sempre um peito aqui
esperando outro peito vir
colorir esse lugar com afeto

segunda-feira, 19 de outubro de 2015

um café de amanhã

é de laço de fita vermelha
o enfeite com que te enfeitas
desde o sofá até o corredor
desde a toalha da mesa da varanda até a estação do metrô

desde o fio que a navalha não corta até o braço de arpoador
desde o lenço bordado de amor
desde o leito de visitas até o fundo do poço

é com gosto de chá requentado de ontem
que beijo o seu lábio de cima e o inferior
desde os pelos dos pés que são de outra cor até o cóccix
desde o cio que vem antes do motor

desde o que vivencio e todo seu esplendor
desde a velha vitrola até seu som de outra cor
desde o litro de água que bebo, fingindo licor

e de manhã antes de nascer um sol
sei de tudo porque vivo onde estou
não jogo no lixo o que me arde, a minha fé

nem mesmo enlouqueço esperando o seu voo
mas não me agrada pensar um café de amanhã
se nosso tempo nessa foto já passou.


maria das lágrimas

em que canto
você canta a sua dor?

em que rio de água límpida
você lava o seu ardor?

em que dia que principia
você nunca se encantou

com uma rosa vermelha azul
preta da sua cor?

em que brasa
você diz que não se perde?

em que asa
você nunca se repete?

em que casa
aberta
você diz que não compete

com o cheiro do jasmim
que nunca brotou?

manhã
de sal e andor
caminho
que nunca ando só

amanhã
maria das lágrimas
carinho lhe dou
da nuca ao amor em pó.


quarta-feira, 14 de outubro de 2015

tudo de leve

porta a porta
saída de emergência
entre a primeira e a última
o grito não se aguenta e canta

espanta a poesia de ontem
demora na dor
tenta decorar a linha do equador
põe-se antes de qualquer linha
desfaz a sutil companhia

enquanto suspeita da falta de amor
passa por todos os lados
brechas
becos
corredores

quando é dia e o pincel se perde
a tinta morre de solidão
e a rua escura não precisa mais de postes

porque agora é tempo de tanto faz
o que tiver que ser não será jamais
e talvez nem disso ele mais goste

quinta-feira, 24 de setembro de 2015

sem mi

meu amor deixou seu lar.
passarinhou
visitou outros ninhos
desistiu de cantar:

e, para completar,
revolveu minha pele
e a memória dos nossos lençóis.

meu amor me deixou assim, sei lá.
persistiu em se afastar
refez outros caminhos, recolheu perfumes
e para lá ficou, a parar raios:

resolveu abrandar
tempestades em dias sem milhões de sóis.

meu amor deixou-se em lá.
construiu castelos e pintou poemas
recitou luas em plena luz do dia
dançou valsa em ribeira, sem mar ou hino de rouxinóis:

para a minha vida-canção
descolorida e desafinada
fez promessa de um dó deixar. 

quinta-feira, 17 de setembro de 2015

de sol à só

quarta de sol
de só ou sal

saudade.




setembro

praça

elevador.

sem
rio
ou fios

lagrimar.

sexta-feira, 11 de setembro de 2015

eis-me aqui

e as vestes
com que tu me vestes
não servem
para esconder
de onde viestes

vistes não
o barulho que fez o vulcão ao beijar o chão?

eis-me aqui
nu por inteiro
sem fantasia

esperando vestir-te
sem prosa nem poesia
apenas com o que possas carregar

sem preço
nem peso: leve
como a luz do dia que ainda não principia.

ilha das flores


esse gosto de mar
que se perde em nós
que se perde em meio a nós
que pede por nós, enfim

seria só
um gosto de mar
se não fosse o que há
por entre os nós
que nos prendem aqui

flores
eu vejo os seus olhos partirem
quebrando muros, derrubando estações
e as cores que ficam em mim

sem trens
automóveis ou barcos à vela
minha lágrima é doce, 
é saudade

é dela

a noite que não me deixa dormir.

sem re-verso

a pé
de caminhão
nos braços de um sonho
nas mãos das ondas em contramão

a fé
que não pede café
para poder ficar acordada até
de manhã não

desmaia
no sofá

pois sabe
que seja água de rio
de cacimba
ou de maré

morrer afogado
é
no fundo
no fundo
no fundo

o fundo
não sentir
qualquer que seja o pé

e antes de ser pássaro e conseguir nadar
o mundo todo reflete em cada olhar
o que já foi
o que não virá a ser
e o que já é:

você
indo
embora
sem tempo
para dar
marcha a ré.

três eles

carlos
mário
oswald

and
rade

domingo, 23 de agosto de 2015

desconhecida companheira

eu quero morrer dormindo
sem sentir dor alguma
acordar depois sorrindo
na rua, tomando banho de chuva

chegue devagar
estranha amiga
desconhecida companheira

descanse lá fora
ao calor da fogueira
e só pense em entrar
quando essa tempestade der um tempo.

quinta-feira, 30 de julho de 2015

via já

são duas vias
igualmente distintas e semelhantes
tudo limpo e novo
tudo sujo ou quase sujo
e novo ou quase novo
de novo.

não há água que limpe uma alma
com tanta força
como quando se faz uma boa viagem

são duas vias
vai e volta
sobe e desce
arruma e desarruma
para arrumar e desarrumar novamente

e novamente
e novamente
e eis que surge a possibilidade
de uma nova mente.

domingo, 12 de julho de 2015

passou

às cinco
é um pássaro que canta

às nove
um vento que se lança

às dezoito
lembrança.

elas flores

clarices e as açucenas
cecílias e as adelfas
cássias e todas as dálias

graças e as alfazemas
marias e as lavandas
céus e as beladonas

hildas e as camélias
lygias e as begônias
anas e todas as gencianas

são elas:
todos os cactos
cravos
crisântemos
campânulas
gerânios

todas as glicínias
e todos os ipês.

amores-perfeitos.

sua dor

triste
a folha em branco
procurou pela tinta:
condição para o sorriso alheio

dona prima
ainda que cega
tateou corpos incandescentes
de dentro para fora
de baixo para cima.

qual é a cor exata
da sua dor
na minha rima?

de fora

a solidão bateu à porta
do outro lado não havia ninguém

perdeu-se, então
entre a lembrança dos passos de outrem
e o que não encontrou
do lado de fora.

tarde?

fiz de mim
o que não pude

refiz em mim
só o que pude

tarde?

segunda-feira, 29 de junho de 2015

in-direta

então, você se encosta de mansinho
feito bichano querendo acalanto
após tragar meu tubarão
enquanto o desgraçado dormia infeliz no minúsculo aquário?

não.
a folha em branco permanecerá imaculada
ainda que seja à espera de nada
às vezes, ampara mais atar-se às fotografias antigas
do que viver seu hoje de cartas marcadas.

seu riso raso e fácil
enfeitiça
dobra minha dor
paralisa meu lado esquerdo
e eu fico
do tamanho do que não sou

flor,
o mandacaru secou
pois carinho não chove há tempos
e o meu furor é do tamanho do seu cinismo
e tem a fome desse momento
e nem vacina cura esse vulcão, não.

e não venha, pois eu não dou mais
a receita que entrega o ponto
em que meu corpo se entrega tanto
que deixo de ser eu
para ser o que quer que seja
e alimentar com a minha tristeza e o meu prato
o seu cofre de tesouros alheios

passe o tempo que for
talvez hoje
quem sabe em época vindoura
pode até ser que eu mude
e passe a ser menos rude
mas meu lençol, seus pés, não mais esquentará

porque o peito é meu
e o leito sofreu de forma tamanha com a tempestade de outrora
do jeito que chega a dar pena
quando se erra ao amar

porque o seu outono não mora mais aqui
e a impressão que era sua, tão bela e quase perfeita
confesso: já descolori
e não me aproximo mais, de forma alguma

daquilo que não tenha gosto e nem pureza de mar.

quarta-feira, 24 de junho de 2015

realidade

não me ligue
não te ligo 

nem te digo nada mais.

não nos liguemos. 

finjamos.

brinquemos de sentir saudade
e mostremos maldade às duas da manhã

porque
depois
é preciso esquecer
que nos vimos
que nos sentimos 
e que estávamos ligados.

nu na chuva

nu
tal qual um livro em branco
e ainda assim você me lê

sem urgência de lamparina
sem esperar pela lua na esquina
vejo você me colorir
página por página
e dar gestos às minhas palavras

o dia todo
resulta em poesia
quando escuto você dizer
que gosta da chuva.

outras cores

sejam meus
seus olhos negros

porque ainda há tempo para ver belezas nossas
em todas as outras cores.

abrigo

todo um porto é meu peito
aeroporto
uma rede de balanço
que se encanta
com o som vermelho dos seus passos.

asas suas soltas pelo céu
ou velas dançando nos mares
são sempre bem-vindas
e encontrarão
aqui
em mim
portais
cais
pistas
e varandas

cantando sua chegada.

um só

e como velas
que morrem solidárias
lado a lado
eu lhe agarro
e lhe tiro para dançar

no espaço-silêncio
enquanto o escuro pinta toda a sala
é lá que estou com você

junto
muito junto
juntinho

praticamente

um só.

chuva sem guarda

comprei um novo guarda-chuva:
oito reais e noventa.
até o próximo inverno ele aguenta
mesmo guardando apenas a minha cabeça
porque pernas, pés, sapatos e meias
ficam sem guarda alguma
e à espera de qualquer coisa que os guarde, 
de fato.

sob seus pés

a chuva se sentindo acarinhada
o rio beijado
e o mar abraçado

as ondas
mais calmas
agora cantam
e as estrelas do mar
dançam

como se o céu estivesse ali
bem pertinho
sob seus pés.



isso

se tão simples fosse
não se recorreria a flores
a noites de lua
aos sentimentos das pedras
nem dos rios.
eu apenas sinto
fico em silêncio
e deixo que as palavras cantem
o que quer que elas pensem
e esperem que eu sinta
porque é isso tudo mesmo
que eu sinto.

empate

porque em mi
há uma nota
de mar
e em mar
toda rota
leva a em
pate.

saudade

saudade só presta mesmo
quando é apenas de uma pessoa
e por alguns minutos somente

quando passa desse tempo
e aumenta o número de gente
presta não


é desespero de mãe que procura filho desaparecido
é aperreio 
feito 
à noite 
sentir dor de dente.

condicionado

você traz
o seu ar
condicionado
e eu me condiciono
a só olhar pra você
com mais calor.

ação

a qualquer eu hora me mudo.

deixo as camisas, 
cortinas 
e bermudas
todas mudas 

e as mudas que forem úteis
carrego comigo na mudança.

faço tudo parar em frente ao seu mundo. 

se quiser ir comigo, 

há espaço na mala
e em toda a minha pele.

vestida de tristeza

sem espaço entre a mobília
cacos
e corpos,
reteve-se lá fora

teimou
bateu à porta,
em vão.

por não suportar o perfume das flores azuis do fim de tarde
vestiu-se de tristeza
e foi embora
dormir sozinha.

precisão

pause pause 
pause

pouse pouse 
pouse

e voe.

é preciso.

aguamar

porque toda chuva
é água que vem do mar
sem sal.

flor do meu dia

a flor do meu dia disse que era feita de tempo
brincou com os meus medos
redesenhou meus sonhos
pediu que eu deixasse tudo escuro
e lhe esperasse apenas com uma gota de água.

quebrei todos os espelhos
e, agora, só me vejo no seu hoje.

ela não quer mais ir embora.

nem precisa.

por causa de você

por causa de você,
eu não paro de ouvir
por causa de você.
eu não paro de ouvir.

gentes

há gente que arranha
arranha e pisa 
e arranha e arranha e pisa 
e acha que isso é normal.

depois, quando sente a pele alheia já grossa,
machuca-se facilmente
por não sentir macio o afago.

eu quero continuar apaixonado pelas estrelas
gostando da lua
e encantado com a ondas que não me prometem nada:
vão e vêm, simplesmente.
doe menos.

perdidas

algumas palavras ficam perdidas
sem tempo
espaço
lembrança
definição

outras nunca foram ditas
e ficam retidas
na boca
na alma
na folha de papel
ainda ser cor

tantas mais passam desapercebidas
esquecidas
nas tintas
nas vigas
na contramão

inúmeras são aquelas que não serão nunca pensadas
e, talvez, sejam mais felizes
do que aquelas faladas em vão
aos vãos.

quase nada tudo

por você eu faço tudo
ou quase tudo
ou quase nada

piso fundo
fico na parada
largo o escudo

mas não me jogo no lago
não vou até o fundo
nem dou meia volta no mundo

mas tudo isso não precisa ser tão profundo
e se for pra ser assim
faço quase nada ou quase tudo.

nós

era para ser só assim:
sem nós
fios
linhas
e parapeitos.
era para ser só:
sem ser dó no peito
sem escuridão no leito
sem palavra "sem jeito"
sem trovão
nem folhas ao vento
diante de um furacão já aceso.
era para ser sem fim:
sem rimas
ricas ou pobres
sem lápis sem ponta
sem apontador
sem cor de despedida
sem rosto lavado às pressas
sem lavanda
sem larvas
sem amarras
nem asas cortadas.
era para ser frio
sem acostamento
sem costas distantes
sem medo de roda
gigantes olhares
perdidos na imensidão.
era para ser sem nada
sem tudo
sem pouco
sem muito
sem ninguém
que não quisesse
ao menos ver
o que há do outro lado do atlântico.
era para ser da forma que fosse
mas que não se revelasse
que se deixasse ser
e ficar
e permanecer
e ser
enquanto possível fosse
mesmo que mudo
mesmo que verbo sujo
mesmo que duro
mesmo que existisse no muro
palavra "sem jeito" de gente
porque há quem aguente o que quer que seja
e há, também, quem seja gente
ainda que enfrente o que não precisasse existir.

simples

da mesma forma 
o coração vê a vida:
de dentro para fora
e de fora para sempre.

seja meu

nem sol
nem mar
nem lua
nem eu
nem ninguém
nem quintais
nem voos
nem sou
nem tem
nem tarde
nem janeiro
nem orlas
nem rabiscos
nem véu
nem chão
nem vinis
nem paciência
nem oceano
nem drão
nem algo
que seja
meu.

entreaberta

saiu às pressas.
deixou metade da porta aberta.
a outra, levou consigo.
não gritou
não ouviu-se gemido
não lhe bateu insegurança
não esperou por esperança
não aguou planta
não jogou toalha branca
não fez cópias de chaves.
era, pois, já tarde
e a bela, sem tarde ou noite
ou manhã que fosse,
deixou-se estar largada,
como lagarta que queria ser,
e outra vez criar asas
soltar-se presa aos ventos que cantam,
da melhor forma, o que não pode ser cantado
nem plantado em tela que deseja ser coberta
de tintas macias
enquanto outro dia demora a surgir.
canção não podia ouvir:
lágrimas todas passeavam pelos seus sentidos.
oração não podia sentir:
era pecadora em excesso
para acreditar que novas paredes imaculadas
pudessem ser seu novo lar.
abandonou-se
fechou os olhos
e não quis mais abri-los.
ademais,
era excessivamente ela para continuar aqui.

por uma tarde bela

perdeu-se.
achou, na busca de outra coisa que não era amor,
o sentimento que guardava preso
e nem percebia tê-lo
como tão custoso tesouro.
pecou?
e quem é pecador pode julgá-la?
cega, talvez não tenha sentido
quão difícil é existir calada.
sonhou?
penso que não: jogou-se.
assim como bovary
não quis canção lenta.
e, nem tão bela assim,
andou pelas tardes de outono em paris
do outro lado de lá
quando poderia ser no chile
em parati,
na bahia ou em boa viagem
ou até mesmo em bogotá.
lançou-se aos mares enquanto era tempo
e nos braços estranhos se encontrou.
agora
pétalas molham os vidros de sua janela.
e a chuva lhe dá ciência do que é viver.

a cor das horas

leve-me por aí.
deixe-me brando
solto
perdido
morto
leve.
mas me leve.
seja da maneira que puder:
sem forma
sem flor
sem receita
sem abraços
sem palavra
sem notícia
sem bússola
sem nada para ser lembrado
ou esquecido.
onde há dias que eu me perco
espero que não chegue a noite
e mais ainda que não chegue outro dia
porque é doloroso
ver chegar a tarde
e sair à tarde
e ser tão tarde
para contar as horas
que as cores
e as coisas
não me deixam ter.
nem ser.

lá fora

ontem, às dezessete e trinta, 
flores se despediram do sol
ao som dos ventos tristinhos.

era gosto de mar
a saudade que brotava entre as páginas
já amareladas dos livros que não li
das letras desconexas
que há alguns meses esqueci de ouvir.

o tempo que era só meu
perdeu-se nos vãos
nas mãos vazias que esperavam brilhantes
nos olhos úmidos, de antigos amantes,
no tapete empoeirado
que enfeita a sala solitária
da casa que quer ser lar.

pinta-se parede
move-se móvel
renova-se louça
e flores de plástico
e plásticos
e passa-se roupa
e pendura-se quadro
que, de longe, nada
ou quase nada
diz
do que se passa
aqui.

é preciso água agora
pois, lá fora,
na varanda estreita
plantas
gritam por vida.

dois barcos e meio

perdido entre os braços
dos mares que não me querem mais
solto
absorto
e meio revolto
quando as ondas me trazem de volta à praia

catamarãs que dançam ao sol do meio-dia
encenam a minha solidão
encantam feito andor na procissão

o ardor do meu peito só não é maior
do que a dor da estrela morta
que, ainda assim, se afoga lá
onde nem onda mais há.

o que vejo

um beijo seu quero só
sem um mínimo de piedade

se você mente ao me querer
acredito ser real
o que assisto nos seus olhos

a mentira é toda sua

o que vejo é só meu.

fragilmente

fragmentos mentem
não recontam o que foi todo
inteiro

remetem ao remoto desejo
incerto
impreciso
incompreensível

são obscuros os letreiros
que não se tocam
são frias as palavras
quando não tocam nada

fragmentos são lentos
estão dentro de algo pronto
não atacam com a mesma força
que a forca quando tem peso

e o peso da forca
quando vem
de baixo ou de cima
corta

e ainda que haja lâmina cega
a força vê o medo por inteiro
e desfaz o insensível beijo por completo

fragmentos mentem


e expõem apenas aquilo que têm vontade
sem muita sinceridade. 

primeiro pingo

outro dia
enquanto dormia o outono
sem notícia da prima vera
acendeu-se uma vela
à espera da noite
que só chegaria
com a bondade dos que verão
o sertão rimar com flor
mesmo que para isso seja preciso
deslembrar da precisão necessária
que é cada gota de luz acesa

cada pingo de água descoberto.

talvez mundo

talvez seja cedo
e eu
por mim
esqueça de tudo

talvez eu me afogue
na borda do seu lago
largue os dedos seguros
que afagam meu pensamento
e fique sem mundo

talvez eu me mude
sem aviso prévio
querendo e não pensando em voltar
prevendo seu olhar mudo

talvez eu passe longe
fundo
no traço do seu passo sujo
imaculado

lado a lado
como seu grito quase silêncio

como seu raso quase profundo

domingo, 7 de junho de 2015

é terno

o tempo passarinho
cantou bem baixinho
antes do dia ser sol

saí para ver
mas me perdi
no caminhar

deveria lembra?
poderia esquecer?

passarão outros invernos
pássaros passarão

plenos os passos se perdem
no que deixou de ser eterno.

é terno
deixar de ser.


sem

dos castelos sem cartas
dos fotografias sem datas
das lembranças sem marcas
dos limites sem estacas

dos fios sem potência
das formas sem violência
das horas sem clemência
dos erros sem dormência

dos gritos sem cadência
das tintas sem saliência
das rugas sem consciência
dos verbos sem desinência

dos pulos sem ardor
dos sorrisos sem alvor
das preces sem andor
das canções sem compositor

dos riscos sem confessor
dos riscos sem apagador
dos riscos sem abraçador
dos riscos sem abrasador

aguaçal de silêncio
estamos ao sol.

dois girassóis.

sós.


pudera

fiz o que fiz e o que não fiz
pudera
era para ser assim
sem instâncias
reflexos
e reflexões.

quis o que fiz e o que não fizera
quisera
no tempo que seria todo da espera
fingir
e me permitir fugir

vi o que fiz e o que não quis

serras?
jardins?
querubins?
joaquins?

que santos sãos
estão
a nos esperar?

sábado, 6 de junho de 2015

decerto

disseram que ela não tinha amor
debalde bateram na sua janela
na certa ela não regava flor
teria que cor, então, aquela dor, no vestido dela?

debalde
saiu para ver a rua
lua
chama de vela

sem tempo
para ser só sua
crua.
desejam vê-la?

entalho

com o rosto coberto
cubro além das palavras
os muros que me interessam pular.

saltar
é a proposta
sem asa
delta

até não poder
mais voar.

inteiro

todo
completo
reitero: sem dano.

será?

na íntegra
quem não se desintegra
está mais à procura do invisível
do que quem enxerga
com os olhos
que
às vezes
nada
vê.

inquieto

silêncio

faça silêncio
faça mais silêncio
faça um pouco mais de silêncio

para poder ouvir
o silêncio
que há aqui.

dias assim que não são meus

os ponteiros
tontos
em meio aos afazeres de todo dia
informam que já se aproxima a noite.

gritam por seus espaços
no lapso entre o ontem e o agora.

não há mais tempo para ter
o sorriso de outrora.

só posso deixar que corram
sem caminhos ou jardins
os minutos que estão por vir

porque o meu hoje
passa cada vez mais rápido
por mim

sem deixar rastros.

e a resposta?

teria meu peito
machucado por inteiro
o seu punhal?

domingo, 31 de maio de 2015

do outro lado


os passos meus
passam
no paço
morada que é sua
mas só do lado de fora
porque dentro
nada é meu
nem seu

e é nesse espaço
que minha cabana faço
esperando seu aço
brincar com o meu breu

quando for meu peito
inteiro o que eu tiver para lhe dar
e se for de interesse seu

eu me desfaço
rasgo-me
em tantos quantos forem os pedaços
e os deixo
todos

do outro lado
ainda que não seja seu.

luzes tuas

luzes tuas
que são duas
quase nuas
no meio da rua
uma e uma

e eu quase no meio.

luzes tuas
que se insinuam
rebrilham
sambam
e mesmo cruas sobrepujam

a canção que nina a lua.

somente


mente

sol.
minto, sol.

mente, mente.

mente só.

somente
mente

in

lene
mente

minto

quando é
verdade.

vício

vi, sim
estava lá
não peguei
guardei tudo que pude
nas retinas.

sim, vi
deixei que se fosse
trouxe comigo apenas o que pude.

não há espaço mais em mim
para habitar o que escapa de ti

ainda assim
estou vazio de si
porque sempre falta um dó
para acompanhar o meu mi.

é

sim
beijos
também

é
tudo
tem

mas
quero
mais

isso

você

tem.

daqui

é essa voz que me procura
que se esconde
e não me acolhe
que anda por onde eu não posso ir.

é essa voz que eu achei
que fosse irmã do meu silêncio
que esquenta o pingo de paz
e teima em querer existir.

é essa
a voz
que vai e volta
que foge e torna
e toma
o meu elixir

e que não some
daqui.

páginas

e as letras
já cansadas
debatem-se
entre si
procurando
o outro
lado.

a moça
sozinha na calçada
cantarola
desejando
ser pássara.

as páginas
quando em branco
sentem-se nuas

como duas luas
sentem-se suas
no céu que está por vi.

sereia teu

palhas de coqueiros nas ilhas das flores.
a senhora da dança
encanta com seus pares
e dança
como se não
houvesse mais outro ontem.

dos galhos secos
fiz sombras
que guardam meus pensamentos
dos pingos de esquecimento.

sereia teu
quando não houver
mais ondas
nos teus lamentos.

mares meus

dos mares pelos quais já naveguei
perdi-me em todos
afoguei-me em alguns
recordo-me de outros

sinto falta de vários.

doce seu encanto
sal no meu canto
canções de outono
no entorno de mim.