quarta-feira, 21 de setembro de 2016

o tempo das coisas

em um dos lados do peito entreaberto
esconde-se a fragilidade
de quem ri em silêncio,
não por medo de olhares outros,
mas por puro esquecimento de tudo aquilo
que um dia ardeu e que, agora,
quando os dias não mais demonstram novidades,
é revelada a pura incapacidade de se doar

e deixar-se ir, da maneira que for mais bela e prazerosa,
na direção do vento:
mãos aos céus
olhos soltos na leve despreocupação
se há linha reta
dividindo ao meio
o mar e o firmamento.

diz agora que toda tarde é um novo antigo amor,
uma eterna amizade de pouco instante, quase ontem,
ou outros sorrisos comprados às custas de palavras
que foram usadas para pintar, tão somente, objetos
profundamente distantes de qualquer realidade:

é esse o valor do nada que hoje tem nos ombros,
porque o ‘tudo’ que um dia já foi desejado
passou como relâmpago à beira da janela
e, ainda assim, durou uma eternidade,
mas foi deixado à margem de qualquer boa lembrança
- emudecendo, fenecendo, esvaindo-se -
e mesmo sendo estando inteira ou pela metade,
como se fosse uma lua minguante
procurando seu par no espaço celeste,
não encontrou colo para um breve descanso.

observe, porém, o seus ponteiros.
tente reproduzir a partir deles desenhos intimamente seus.
a onda que vai e volta tem, também nesse movimento, algo a dizer:

só grite sentir saudade
quando não houver mais outro sinônimo
para expressar o que há nesse corpo.

quando, na sua alma, existir disposição
para permitir que o meu pouco inunde
- ainda que por uma fração de segundos -
seu universo, por inteiro, oco.

quando sentir que ainda há tempo
para admirar todas as cores
na velocidade de uma estrela cadente
- lembra ainda? -
que desce abraçada à luz de qualquer cometa
intentando levar brilho de cima pra baixo
e esperança de baixo pra cima

e mesmo perdida nesse ambiente negro
quer se vestir com a alegria
- ou com a tristeza -
de uma pobre rima,

porque todo amor
e todo carinho,
toda paixão
e todo e qualquer sentimento
- de paz, de alegria, de luto, de solidão ou de solidez -
é como dor de dente
ou dor de ouvido
- ainda que só em pensamento -
quando ainda é de madrugada:

logo nos deixa só
e se vai embora
assim que o sono chega
- só dura o tempo
que tem
e que precisa durar-.

é assim que a gente se tem?