quarta-feira, 31 de agosto de 2016

tons de solidão

disse adeus à vida
sem medo de qualquer gota de solidão:
porque a dor já se fazia enraizada
em cada palmo de pele
no intervalo entre o mínimo sinal de sorriso
e a lágrima que habitava
- desde muito sempre -
os olhos de lua minguante.

a alma, que se vestia de todas as cores,
entendia, agora, que de modo indiferente
o carnaval terminaria com cinzas.

e procurou no pó
tons para enfeitar
o corpo que já sabia estar só.

pela vida

e o caminho é forjado
com o pó retirado da sola das sandálias.
aos que andam descalços
que recolham ao longo do trajeto
folhas secas e espinhos
porque mais do que isso
às vezes, o destino não permite possuir.

mas enquanto houver sol no peito
ou luz entre o lado de lá e a ponte,
o dia teimará em bater à porta
gritando: mesmo morto, avante.

segunda-feira, 22 de agosto de 2016

nova alma velha


a minha alma, que nasceu ontem,
já sente o cansaço do tempo de agora
com uma força capaz de derrubar estrelas.

deseja construir pontes
atravessar pontes
pular de pontes
jogar o corpo fora
aguar a pele com um outro perfume
e deixar que novos sonhos floresçam.

mas as folhas flageladas de papel
- de todas as cores e formalidades 
que se estendem e me desconectam
de tudo o que é preciso para dizer 'sim' à vida
daquele momento reservado para formar desenhos com as nuvens - 
precisam de alguma nova assinatura:
com urgência
e com o azul mais bonito de todo o céu,
ainda que, fora de mim,
haja um tempo iluminado de verão
e sem qualquer poesia
às retinas que se perdem entre os faróis dos carros
e a pressa de chegar em casa
constantemente, antes do final do dia.

penso, às vezes,
que é preciso ter a permissão
para contemplar a lua
com todas as suas vestes.
os ponteiros que marcam horas, minutos e segundos
desconhecem essa minha trivial necessidade.

e toda a semana passa tão rapidamente
que chego a me acostumar com a ausência de minutos de felicidade
que o peso de tudo vai ficando suportável
- o que é muito perigoso ao meu jardim.

ou tão lentamente, 
que parece até que nunca mais chegarei ao amanhã que bate à porta
- o que me desespera e me faz, por vezes, procurar por mim:
na sala, no quarto, na varanda, no sorriso solto, 
na conversa sem censura depois de uma taça de vinho.

mas 'viver' talvez seja mesmo isto:
- será? -
estar em linhas tortas
atuando como uma personagem secundária da oitava arte
e deixar que o sentido das coisas importantes  
exija traçar novos planos
ou dormir criança
- sabendo que o tudo e o nada são elementos que fazem parte do que temos -
e acordar com uma alma de mil anos.

sexta-feira, 12 de agosto de 2016

thousand ninety-five days

seus olhos me viram
quando ainda não era noite
de uma quinta-feira de agosto.

com uma calma que é só minha
- e percebida apenas por você -
dizem que dei mais cor a sua vida

mas misturamos, na verdade, nossas tintas
e, que me perdoem frida e almodóvar,
donos dos tons fortes e exagerados

acho que é na sobreposição de um café com leite
ou de um gelo com carvão quente, quase brasa,
que se encontra a tal felicidade.

alguns outros dias, não tão depois, eu fui seus olhos
em um ínfima distância que separava
sua lente de qualquer poesia

e me expus como quem não espera por outro dia
e me permiti, com a calma que é só minha, revelar todas as senhas
das portas que me guardavam e me protegiam

porque se fosse para ser verdadeiro
precisaria ter qualquer tipo de estranhamento, de drama
uma narrativa em segunda pessoa

estranha, tal qual a sensação de quem ama
leve, na forma de um amor primeiro
forte, como o silêncio de um último suspiro.

e entre escadas, corredores e estradas
taças se tocaram e novos laços se firmaram
dizendo que o importante é querer estar perto

ainda que em pensamentos ou em lembranças,
porque mais do que isso talvez nem seja necessário
ou até mesmo os dias não aguentem

e decidam, por fim, acabar com qualquer forma de afeto
com a novidade que chega ao final de cada jornada, macia ou bruta,
ou com os cheiros que, de tão efêmeros, apenas em nós

faz morada: embaixo de cada palavra estendida
no espaço alegre que habita entre os muros sós
na cena inexistente que inventamos para os nossos curtas

na melodia de certas canções que nos conectam
na tinta que falta para a folha se sentir completa
na flor que espera seu vaso, para enfeitar nossas varandas.

antes de entendermos a força do furacão que já foi vencido
será preciso consultar “na parede da memória”
todos os sabores experimentados, as inúmeras dores passadas

e o valor que vive na escolha por querer ficar.
e, assim, será simples de entender o porquê
de um sorriso que se renova a cada encontro

da paz que a alma se veste a cada novo abraço
do amanhã que nunca chega, pois quer sempre
dizer que o mais importante é o tempo de agora

e de querer, mesmo que não seja para sempre,
- visto que todo ‘sempre’ um dia expira-
ser o que somos e pela vida continuar.

quarta-feira, 3 de agosto de 2016

nudez aguda

represa alastrando fim.
tudo que parecia não caber mais no peito
hoje encontra seu lugar:
descansa, reina e faz morada.
mais à frente, no canto,
- sem espaço para guardar segredos –
o som do alaúde brinca de ser majestade.

ao seu poder, tudo se desvela às horas.

com o desejo de querer esperar pelo agora,
mesmo sabendo que o tempo de outrora
sempre quis ir embora,
sinto inveja de cada humana folha
- ainda que extremamente verde -
que se desprende de algum tipo de caule ou raiz
assim que sente o silêncio que habita em si
gritar em notas agudas e tons de dó
que já é tempo de partir.    

só eu teimo em permanecer por aqui.

porque, ainda que seja demasiadamente tarde,
sei, em mim, que sempre cedo.