quarta-feira, 27 de julho de 2016

outros tons

da janela daquele moderno trem
é possível ver nada ou tão somente
rostos tristes, perdidos e solitários
que, a mim, se parecem com ninguém.

paisagens que os olhos registram
e que vão sendo deixadas para traz:
desoladoras, tais qual a forma do abraço de adeus
ou petrificadas, como a dor dos que ficam,

dizem tudo que cabe no registro que a retina
capta em questão de frações de segundo.
e toda a dor que brota do centro do universo

deságua no fio de água que apaga a lamparina,
inunda a cidade, o pequeno vilarejo, o mundo.

a solidão tem cores que, às vezes, desconheço.

quarta-feira, 20 de julho de 2016

uni_verso

quero ir como quem nunca chega
e, com o tempo previsto,
deixar na sua memória
a saudade de amanhã:
ser de imprevisto.

página em branco
esperando o momento de ser lida,
tristeza amanhecida
em meio a um céu entrecortado.
o que ainda não foi encontrado,
talvez, o subentendido.

quero ir como quem nunca soube se foi, de fato, ou continua por aí:
fragmento de um poema
pigmento
cenas de um velho dilema
anjo que dorme ao relento
estratagema
ou paz anunciada com o novo rebento.

embarcação à deriva avistando um porto
quiçá, o rosto seu.
e, mesmo roto,
recolorir o céu com o que há de tons do arco-íris que não se desfez,
ainda que já tenha passado o tempo de toda a chuva.

quero ir como quem sempre esteve aqui
e, desapercebido, foi recebido com todo o nada.
feito um pedaço, dos mais de mil pedaços, da torre de babel,
quero ser parede limpa
esperando por lâminas, multicoloridas, de papel,
que exerça a função de tinta:

por um prego que segure todo o peso do dia
por um quadro que não revele minha agonia
por um esquadro que, de mim, não se despregue, ainda que seja necessário,
nem me coloque na linha reta e severa, porque tal feitio já não mais me alegra.

quero ir como quem nunca veio
como quem acha fraco, feio, preciso e doloroso:
conter certos risos, sentenciar algumas palavras e, até, ficar calado.

como quem colhe flores e as guarda em gavetas escuras 
até que todas elas sequem, uma por uma,
e por medo do rótulo de ridículo
recomenda o preto, ou branco, preterindo tudo aquilo que seja estampado.

quero ir de forma simples, determinada, oculta e concreta. 
como quem, muitas vezes, foi deixado de fora

e, ininterruptamente, de lado. 

segunda-feira, 4 de julho de 2016

todos os meus mapas

em ruas nuas
por entre postes e avenidas
pontes
morros
viadutos
aclives
e descidas

descaminhos
rotas
sentinelas
faróis
penínsulas
e pés descalços:

todos os traços
e rabiscos
e marcas

todo laço de rio
e todas as setas
e todos os girassóis

e todos os meus mapas
deságuam no seu mar

porque não querem se perder.