cansado
das mentiras minhas
mentiras
suas
mentiras
nossas.
mentiras
verdadeiras
que
aprendi a construir.
das
portas abertas
e da
necessidade de ficar.
dessa
tela bicolor
e da
falta de coragem para multicolorir
o vão
que se desenha entre o aqui e o lá.
de
comprar estantes
de
varrer o corredor e a sala todos os dias
de
fazer feira
de arrumar
a casa
de por
à mesa educação
de
manter sempre limpa a pia
de
arejar o quarto
e não
ter onde dormir.
de
viajar ficando
de
sonhar acordado
de ver
o jardim morrendo ao meu lado
de
resolver me calar
sem nem
mesmo pensar em insistir.
cansado
da falta de tempo
do
tempo que se expande
do laço
que não encontra o corte
do
silêncio que grita à noite
da
noite que não é mais ponte
e que
não reúne o deitar e o fingir ter sono.
de
pagar contar
de
aparar pontas
de
esconder na gaveta lembrança ruim
de
entender conceitos
de
aplicar preceitos
de
respirar preconceitos
de
abraços metálicos e sorrisos amarelos
sem fim.
de cruzar
linhas de trem
de
olhar ondas que não trazer ninguém
de catar
feijão
de
sepultar os com defeito
de
voltar às anotações
de
descer e subir escadas
que não
levam ao parapeito.
cansado
do sabor que vai e que volta
da taça
sempre exposta
da
calmaria do girassol
de
pessoas sempre dispostas
e que
não sabem sentir.
de, às
vezes, não me opor
de
sentir tão pouca dor
de
carregar, sem merecimento, outro andor
de, na
companhia da lua, ser sol de isopor
de, a
fórceps, mais força precisar parir.
cansado
de listar conselhos
de dar
conselhos
de
contar os pelos que caem pelo ralo.
de não
mais tê-los: conselhos e pelos
de
receber cartas sem selos
de rir
dos outros
e de
mim.
de
demarcar a mala
de
enfeitar a varanda
de
redecorar a vala
de
esvaziar a varanda
de
decorar uma nova fala
de
querer voar da varanda
e de ter
medo de cair
de
deixar que cortem minhas asas
de não
saber o que fazer com as asas
de
viver pisando em brasa
de
recolocar o número da casa
e de
esquecer que depois do nove
reinicio
com outro querubim
cansado
de ver:
animais
empalhados
seres
injustiçados
corpos
separados
rimas
pobres lado a lado
estradas
sem fé
sangue
circulando em marcha a ré
peito à
procura de afago
meias
palavras desejando sentido
vidas
vagando à margem do rio
sem
nunca mesmo vida ter tido.
cansado de tentar dialogar
o tom da pele com o tom das vestes
com o tom das pessoas
dos lugares sem tons.
de declarações retóricas
de corações engessados
de analisar discursos
e deixar os meus escusos.
cansado de tentar dialogar
o tom da pele com o tom das vestes
com o tom das pessoas
dos lugares sem tons.
de declarações retóricas
de corações engessados
de analisar discursos
e deixar os meus escusos.
cansado
de acompanhar
- com
as pupilas e os poucos cílios –
o
bailar lento dos ponteiros
de
aguardar a temperatura exata da água
de
vigiar a alquimia dos temperos
de
esperar pelo ônibus que teimar em não chegar
do jato
de tinta que borra o papel
do
papel da sombra que não se permite se molhar
da
novidade, que de tão velha,
é
incapaz de me animar.
cansado
da inexistência de espaço
para
outro verso
no
verso do verso da folha
dos
fortes vendavais
do
vento fraco que não seca meus lençóis
da
ausência de sais
da
necessidade de minerais
da
falta de fibra para ficar em pé
de ser
objeto para mérito alheio
de ser
chegada sem ser meio
e,
mesmo assim, ser caracterizado como o fim.
ainda
há pouco acordei sem querer
respirei
o que me restava de ar
levantei-me
suspenso no ar
olhei-me
no espelho
e não
me vi:
uma
hora tudo isso passa
- dizem
por aí -
mas,
por enquanto,
um fio de voz confessa:
estou
um tanto cansado de mim.