amo o seu silêncio reto
entre a sala e a varanda
e o seu olhar mirador
que paralisa o tempo e qualquer objeto
transformando o meu peito
em seu país
em seu andor
amo seu corpo ornado de louça suja
sua boca calada que grita muda
meu nome de outro jeito
porque é na dobra
entre a minha esquina e sua rua
que a poesia do encontro se revela
e eu nos permito que você me possua
amo seu gesto no meu alento
suas propagandas
suas firulas
suas palavras que se encontram no breu
e se dissipam na força da solidão
de um pé-de-vento
que, antes de ser tempestade
e com um poder sobrecomum,
deixa à
mostra raízes de felicidade
amo o que é
seu por inteiro
ainda que
queira sempre ser metade
e deixar que em todos os dias
o novo venha
e me complete
para
novamente estar cheio:
transbordar
até nada mais ser
e como a
fechadura da porta do corredor
estar sempre
à espera sua
tal qual o
perfume que mora na melodia
receber você
antes das seis
ou na dia e
na hora que eu puder lhe ter
amo suas
páginas em branco
o trocadilho
cometido
e a ausência
da urgência de perdão:
o sim, o
talvez e até mesmo o seu não
quando você me
nega raios de sol
e me
oferece, com paixão, abraços em tons de chuva
amo sem
precisar gritar que lhe amo
sem
necessidade de alianças
porta-retrato gigante exposto nas vias públicas
toalhas
bordadas
pedido de
casamento
amo porque
antes já lhe conhecia
sempre lhe
esperei
e sabia que
ao descer do ônibus
naquela parada deserta e repleta de gente
você, para
mim, apareceria
amo porque
os seus defeitos se parecem com os meus
porque suas
qualidades se parecem com as minhas
porque
minhas mãos não estão mais sozinhas
porque o
quadro que é pintado agora
independe de
técnicas
procedência
e destino:
tem seu
lugar na memória
amo porque
sei que não haverá eternidade
visto que a
cura para todo mal
pode nunca
chegar
e tenho
pressa de sentir a saudade
das flagrâncias
do seu corpo
amo porque preciso
no gosto
cheiroso que só habita em você
fazer meu
porto
meu ninho
meu par
amo suas
idas, viagens, chegadas e demoras
amo porque sei que as tardes de domingo têm outra cor
porque sei que as noites só melhoram
porque os desejos se transformam em outros assuntos
e as mil e
uma noites, por serem infinitas,
sempre
precisarão de nós
para que
reine a fantasia
de se permitir ficar
de se permitir ficar
amo sem
precisar amar
sem dizer
que amo
sem a ação
de conjugar
amo você
porque antes
porque antes
eu já me
amava
e em mim
encontro
- há anos -
traços seus
que se
tornaram meu lar
amo você
como sempre
amei a mim
porque de
outra forma
não poderia
receber o que você me oferta
tampouco me
dar.